Deus e as riquezas

INTRODUÇÃO

 

Esta perícope está dentro do escopo da divisão literária do evangelho de Mateus da promulgação do Reino dos Céus. O autor quer anunciar para a comunidade de Mateus que o reinado de Deus, esperado pelo povo de Israel, chegou por intermédio da pessoa de Jesus, o Messias. Lembrando que esta igreja mateana enfrentava uma crise de fé devido aos ataques dos pilares de suas crenças, principalmente, a messianidade de Jesus de Nazaré.

 

Desta forma, Jesus visa tornar público os fundamentos éticos do Reino dos Céus, com o objetivo de fortalecer a comunidade mateana em sua fé e esperança. Essa narrativa faz parte do conhecido sermão do monte de Jesus, em que o autor tenta responder a uma importante questão: Jesus era acusado de querer suprimir a lei de Moisés, fundamento da fé judaica, por isso, não poderia ser o Messias. Diante disso, o sermão do monte deve ser analisado a partir da perspectiva de que Jesus de Nazaré não veio abolir a lei, mas cumpri-la. Assim, Ele chama atenção para três perigos da nova vida: O mâmon (deus das riquezas), as preocupações (ansiedade) e o hábito de julgar.

 

Os personagens principais da história contemplam Jesus e seus discípulos. Já, os objetivos do autor são: enfatizar para a igreja de Mateus o contraste entre os tesouros terrenos e os tesouros dos céus, destacar a relação entre o tesouro e o coração e mostrar as consequências maléficas do acúmulo de riquezas terrenas.

 

1. Onde está o teu tesouro aí estará também teu coração

 

Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam (Mt. 6.19-20)[1].  Nessa passagem, Jesus se utiliza de uma figura de linguagem denominada contraste. Com este paralelismo semítico de ideias, Jesus contrasta dois tipos de tesouros: terrenos e celestiais[2].

 

Os tesouros terrenos são aqueles que inevitavelmente se decompõem, em contraste com os tesouros celestiais que se denominam incorruptíveis. O Senhor Jesus, nesta passagem, dirige-se aos ricos e aos pobres. A riqueza tem a característica da crescente ganância. Quanto mais se tem, mais se quer. Adverte quanto aos perigos de acumular riquezas, visto que todas as coisas materiais são temporais, ou seja, estão sujeitas às condições do tempo, às traças e à ferrugem as quais corroem e destroem os tecidos preciosos. Ainda, os ladrões podem roubar as preciosidades acumuladas[3].

 

Em compensação, Jesus orienta seus discípulos a acumular tesouros no céu. Tal orientação se fundamenta na natureza atemporal dessas preciosidades. Estes valores são incorruptíveis, visto as condições temporais não poderem corroer nem destruir os tesouros celestiais. Fica evidente, também nas palavras de Jesus, que não há uma proibição referente a adquirir as coisas materiais, fundamental para suprir as necessidades dos seres humanos. O que de fato Jesus condena, neste discurso, é o acúmulo de riquezas em detrimento da cobiça. Diante disso, o autor chama atenção da comunidade de Mateus quanto aos valores e princípios do Reino dos Céus em detrimento com a religião judaica.

 

Pois onde está o teu tesouro aí estará também teu coração. O olho é a lâmpada do corpo.  A lâmpada do corpo é o olho. Portanto, se o teu olho estiver são, todo o teu corpo ficará iluminado; mas se o teu olho estiver doente, todo o teu corpo ficará escuro. Pois se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão as trevas! (Mt 6. 21-23)[4].

 

A verdadeira maldição do dinheiro não reside na quantidade de riqueza acumulada e nem no possuir pouco, mas está no perigo de que o coração seja escravizado pela cobiça da riqueza, de modo que a da pessoa fique sufocada e dominada pelo dinheiro. A chave do relacionamento da pessoa com o dinheiro perpassa o sentido da visão. Jesus esclarece este conceito com a parábola do olho saudável e do olho doente. No olhar se revela a cobiça ou a generosidade. Ainda se pode ilustrar o olhar divido, visto que o olho é constituído para poder visualizar um só objeto de cada vez. Portanto, o olho não é capaz de enxergar plenamente e gravar duas coisas ao mesmo tempo. Logo, o olho doente insiste olhar simultaneamente para duas coisas, levando à insegurança. Já o olho saudável olha somente em uma direção com clareza e atenção, então o corpo todo também será dirigido com segurança[5]. Com isso, o autor quer alertar a comunidade de Mateus quanto aos perigos da falta de atenção aos princípios da nova vida em Jesus.

 

2. Ninguém pode servir a dois senhores

 

Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro (Mt. 6.24)[1]. A comunidade mateana, com crise em sua fé, estava em dúvida entre servir a Jesus de Nazaré ou voltar aos rudimentos do judaísmo. Neste sentido, continuar servindo a Jesus dispendia um alto preço por parte da comunidade, a renúncia e, consequentemente, o compartilhamento de seus bens. Ainda haviam as perseguições por parte da religião judaica e do império romano. Diante desse cenário, Jesus expõe a ordenança: Ninguém pode servir a dois senhores. Apesar das dificuldades encontradas no caminho, a comunidade deveria estar convicta de sua fé em Jesus. Mâmon (deus das Riquezas) seduz para o amor os tesouros terrenos que levam à cobiça. Porém, o Messias conduz para os tesouros nos céus, sustentando a vida. Diante disso, o melhor caminho é servir a Deus e não há mais lugar para nenhum competidor.

 

Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso corpo quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as alimenta. Ora, não valeis vós mais do que elas? Quem dentre vós, com as suas preocupações, pode acrescentar um só côvado à duração da sua vida? 28 E com a roupa, por que andais preocupados? Aprendei dos lírios do campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam. E, no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que existe hoje e amanhã será lançada ao forno, não fará ele muito mais por vós, homens fracos na fé? Por isso, não andeis preocupados, dizendo: Que iremos comer? Ou, que iremos beber? Ou, que iremos vestir? De fato, são os gentios que estão à procura de tudo isso: o vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas. Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo. A cada dia basta o seu mal (Mt 6.25-34)[2].

 

A comunidade de Mateus, devido às perseguições, passava por muitas privações sociais, religiosas e políticas.  A preocupação dessa igreja perpassava às necessidades fisiológicas de comer, beber e vestir. Nesse viés, o autor fundamenta, no discurso de Jesus, o ensino de uma vida simples e modesta. No tocante a este ponto, a loucura de toda acumulação de riquezas e a preocupação pela vida geram nas pessoas o distanciamento de Deus e, consequentemente, aproxima-as de mâmon, o qual potencializa a preocupação causando a ansiedade[3]. Mediante o exposto, a recomendação é buscar o Reino dos Céus e a sua justiça, que significa o domínio e a presença de Deus e deixar preencher, já e agora, com a riqueza deste reino, o qual traz paz e justiça para todos aqueles que são participantes deste reinado. 

 

3. O fascínio pelos bens 

 

A respeito do conceito teológico, a narrativa enfatiza as consequências da cobiça e da ansiedade na vida das pessoas. O poder de fascínio dos bens é tamanho, que o ser humano erra o verdadeiro alvo de sua vida[1]. Assim, Jesus usa uma parábola e afirma que o olho é a lâmpada do corpo (Mt 6.23). Logo, se os olhos da pessoa forem maus, suas atitudes e prioridades são pautadas pela cobiça, a qual desenvolve a ganância e a avareza e, consequentemente, traz a preocupação causando a ansiedade. Por isso, o olho da pessoa revela como ela se relaciona com a sua riqueza. Portanto, no olhar se evidencia se ela dá com disposição ou se é avarenta. O olho pode, assim, revelar a bênção ou a desgraça que a generosidade ou, respectivamente, a ganância trazem ao ser humano[2].

 

A cobiça por intermédio de mâmon (deus das riquezas) possui potencialidade aritmética de divisão. Ela pode dividir o coração do homem. Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.  (Mt 6.24). Na busca cobiçosa pelo materialismo, indivíduos acabam amando mais as coisas do que o próprio Deus. A partir disso, sufocam suas espiritualidades em detrimento do pecado da cobiça, ganância e avareza e, consequentemente, só conseguem servir a mâmon.

 

A ansiedade vem de um estado de preocupação por uma vida de ostentação. A essas preocupações angustiantes e arrasadoras de coração se manifestam por via da ganância para querer ter sempre mais. Contudo, Jesus, nesta narrativa, ordena aos seus discípulos a viverem uma vida modesta. Com a palavra preocupar-se, ele se refere não ao prover, mas ao angustiar-se medroso, cismado e atormentado[3]. Sendo assim, responde a essas preocupações com três argumentos[4]: aponta para a revelação de Deus em nossa própria vida (Mt 6.25); aponta para a revelação de Deus na criação (Mt 6.26); e, aponta para a revelação de Deus no seu reino (Mt 6.26).

 

A medicina tem mostrado que preocupação indevida tem reduzido de fato a extensão da vida[5]. Para ilustrar este conceito teológico, pode-se pensar: Um pastor preocupado com alguns casos de pessoas ansiosas na igreja propôs uma dinâmica. Encheu um copo com água e disse: Qual o peso deste recipiente? Então o pastor chamou um rapaz à frente e disse se ele poderia segurar a taça com a mão erguida a fim de saber mais certamente o seu peso.  Passados alguns minutos o rapaz fez sinal ao pastor se poderia ir sentar-se. Não, disse o pastor. Você aguenta segurar mais um pouco? Ele balançou a cabeça negativamente. Não dá mais, pastor, meu braço já está dormente. Então o pastor disse: O que realmente importa não é o peso físico da taça com água, mas sim quanto tempo o rapaz ficou segurando esse peso[6].

 

Diante disso, Deus está ensinando que a ansiedade é como essa taça com água. Há pessoas que têm preocupação o dia todo e ficam paralisadas, sem forças para viver a vida, são incapazes de fazer as coisas. Então, o que Deus quer ensinar é que se deve largar a taça, ou seja, libertar-se da preocupação e lançar sobre Ele toda a ansiedade.

 

3. Conclusão

 

O grande segredo, nesta narrativa ensinada por Jesus, se constitui em guardar o nosso coração da cobiça e da ansiedade, a qual expressa neste texto “pois onde está o teu tesouro aí estará também teu coração” (Mt 6.21). Por conseguinte, há uma relação direta entre o tesouro e o coração. Esses dois elementos estão proporcialmente e mutuamente ligados.  Diante dessa realidade, precisamos priorizar os tesouros nos céus (valores espirituais) em detrimento dos tesouros da terra (materialismo), visto que nossas prioridades, atitudes e ações irão determinar nosso tesouro.

 

O ouro é um dos metais preciosos que possuem maior valor aqui na terra. No entanto, a Bíblia descreve que no céu as ruas serão de ouro (Apo 21.21)[1]. Logo, esse metal precioso na perspectiva da eternidade não terá o mesmo valor, visto que servirá de estrado para nossos pés. Assim, precisamos acumular tesouros nos céus (valores espirituais), como por exemplo, o amor. A teologia paulina ensina que das três virtudes teologais a fé, a esperança e o amor, a maior delas é o amor (I Co. 13.13)[2].  Paulo nos orienta a não dever nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei (Rm 13.8)[3].  À vista disso, a conta do amor, por mais que amamos, sempre estará negativa, por isso, a cada dia devemos amar de maneira incondicional.

 

Notas

 

[1] BÍBLIA DE JERUSALÉM – São Paulo: Paulus, 2015, p. 966.

[2] ARRINGTON, French L. STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento: Mateus – Atos. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

[3] RIENECKER, Fritz, 1998.

[4] BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2015, p. 966.

[5] RIENECKER, Fritz, 1998.

[6] RIENECKER, Fritz, 1998.

[2] RIENECKER, Fritz, 1998.

[7] RIENECKER, Fritz, 1998.

[4] RIENECKER, Fritz, 1998.

[8] ARRINGTON, 2017.

[9]Disponível em: < https://www.esbocandoideias.com/2017/ilustracoes-cristas-taca-de-cristal.html> Acesso em: 23.09.2019.

[10] BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2015, p. 966.

[11] BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2015, p. 966.

[12] RIENECKER, Fritz, 1998.

[13] BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2015, p. 1219.

[14] BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2015, p.1136.

[15] BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2015, p.1123.

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